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“Não vou ter, não quero ter, prefiro morrer”.

Amanda -
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    A criminalização do aborto atinge, principalmente, mulheres pobres e que não possuem recursos financeiros para realizar o procedimento em clínicas, esse que chega custar R$ 5.000,00. Essas mulheres precisam escolher entre o pedido de autorização judicial para realização através do Sistema Único de Saúde (SUS) ou pelo método inseguro. Por conta dessa criminalização, anualmente, R$ 41 milhões são gastos com emergências após um processo mal feito. É a quarta maior causa de morte materna no país, que atinge, na maioria, mulheres pobres.

   Ainda no Brasil, a mulher que aborta pode cobrir pena de três anos de prisão, enquanto o médico que realiza o procedimento pode cumprir quatro anos de cárcere privado. Uma pesquisa publicada pela revista The Lancet em 2016, prova que a legalização ajuda a diminuir o número de procedimentos e mortes. De acordo com esse estudo, 16 milhões dos abortos feitos anualmente são clandestinos.

   Amanda (não quer ser identificada), 19, é estudante do curso técnico em enfermagem, na cidade de São Matheus do Sul. Quando estava para completar 18 anos, descobriu uma gravidez indesejada. “Eu conheci um cara em um bar de comida japonesa. Estava com um amigo meu e ele chegou. Achei lindo, mas não conversamos. Depois de um tempo, outro amigo buscou a gente e no carro com ele estava o menino que eu havia achado bonito. Nós dois começamos a conversar, ideia vai e vem, passamos todo o ‘rolê’ assim, mas não passou disso. Na segunda ele me procurou e voltamos a conversar. Na quarta ia ser feriado e ele vinha para cá, já havíamos deixado combinado de sair. Ficamos. Como ele morava em União da Vitória e todo mundo estava bêbado, fomos para a casa de uma amiga minha. Chegando lá, cada um foi para um quarto, eu e ele ficamos na sala. Rolou... eu até pedi para que ele colocasse a camisinha, mas ele não quis, continuei insistindo até que ele colocou, na metade da transa a camisinha estourou. Eu fiquei desesperada, falei que ia tomar a pílula do dia seguinte e ele afirmou que não era preciso. Na segunda comprei, mas fiquei mal, vomitando, mas acreditava que estava tudo certo”, conta a jovem. 

    A pílula do dia seguinte é um método de contracepção, considerado de emergência, que possui certa porcentagem de eficácia em até 72 horas após a relação sexual. Ela não previne contra a gravidez, mas diminui as chances de que aconteça. Seu principio ativo é o levonorgestrel, diferente do que algumas discussões afirmam (como o caso polêmico do episódio “Arkangel”) o comprimido não é uma forma de aborto. Contrário aos anticoncepcionais possui um número elevado de hormônios, por isso não pode ser tomada diariamente. Mas para a jovem Amanda não foi uma solução.

   “Ele veio me visitar de novo, conheceu minha mãe, tomamos café juntos. Depois de alguns dias ele começou a ficar estranho, me tratar mal e eu me chateava com isso. Decidi que não queria mais, ele aceitou. Logo descobri que ele havia voltado com a ex- namorada. Eu fiquei triste, nutria sentimentos. Depois de um tempo voltei a fazer academia, estava numa época de calor, eu sentia enjoos constantes e acreditava que era a pressão. Por esses dias minha ‘menstruação’ desceu, fiquei aliviada, continuei academia, perdi sangue por 15 dias, o enjoo não passava. Combinei de fazer cachorro-quente com umas amigas, quando uma delas estava chegando pedi que comprasse um teste de gravidez” lembra Amanda. 

   O teste de farmácia indica através da urina se a mulher pode ou não estar grávida. Os laboratórios atribuem uma porcentagem que vária de 95 a 99% de eficácia. Mas o procedimento realizado através do exame de sangue ainda é o mais eficiente. “É como se fosse hoje, em cinco minutos duas listras no teste. Fui até a farmácia e comprei mais dois. Era positivo atrás de positivo. Não dormi a noite toda, não poderia estar grávida. Meu pai é agressivo, estava no segundo ano da faculdade, minha família complicada. Eu tinha duas escolhas: suicídio ou aborto”, Amanda recorda com rancor.

  O suicídio tem se mostrado como uma ideia que perpetua na cabeça de jovens e adolescentes que engravidam. Segundo Suzanne Petroni, diretora sênior de gênero no Centro Internacional de Pesquisa sobre Mulheres, o suicídio é a principal causa de morte das meninas entre 15 e 19 anos. Na Ásia o percentual é até cinco vezes maior que na Europa. Os fatores que levam essas meninas a cometer o ato estão ligados à marginalização que lhes é atribuída em situações como abuso, conflito de relacionamento, isolamento social, gestação, entre outros tabus da sociedade. Ainda segundo uma reportagem disponível no site Hypescience: “a evidência demonstra também as ligações entre a gravidez indesejada e o suicídio. Particularmente em contextos onde as meninas têm pouco ou nenhum acesso à educação sexual, contracepção ou aborto seguro, algumas meninas grávidas podem sentir que o suicídio é a sua única opção”.

   Além disso, uma pesquisa realizada pelo site Trocando Fraldas aponta que uma em cada cinco brasileiras é abandonada durante a gestação. Geralmente, a falta de maturidade do parceiro faz com que sua primeira reação seja negar o ato e estabelecer um culpado pela situação em que ambos se encontram. Essa foi a situação que aos 19 anos a jovem Amanda encontrou. “Fiquei super triste, não apenas por gostar dele, mas porque eu não sabia mais para onde correr. Eu não tinha informações sobre aborto, mas quando fiz o teste de sangue pensei que essa era minha escolha”.

   “Eu lembro sabe? Passou sábado, chegou domingo, liguei para o pai da minha filha e falei tudo e ele afirmou que era mentira, que eu estava inventando aquilo pra ele voltar comigo, que eu era ridícula de fazer isso, que ele tinha voltado com a namorada e que se eu estava grávida era de outro”, recorda.

   Entre choro, socos na barriga, goles de veneno, remédios fortes, álcool puro... a dor chegou. “Eu comecei a sentir muita contração na barriga e a perde muito sangue. Eu achei que havia sofrido um aborto e perdido a criança. Marquei um ultrassom. Segunda pela manhã fui fazer a na esperança de não ter mais nada em mim, quando começou, já deu pra ouvir o coração, eu chorava desesperada. Estava super confusa e não sabia o que sentir, foi algo muito estranho. Só imaginava ‘tem um coração batendo dentro de mim?’. Vou ter que desistir da faculdade, meu pai vai me expulsar de casa, minha família não vai me aceitar, vou ter que criar um filho sozinha, não tenho nem emprego, vão me chamar de vagabunda, a cidade vai me massacrar. Só pensava em aborto”, alega.

   No período da tarde utilizou do whatsapp para começar uma procura pelo remédio. Contou a algumas amigas o que estava acontecendo e pediu ajuda. Ela pesquisou em diversos sites, mas quando voltava à aba inicial do Google encontrava os efeitos colaterais e tudo amedrontava. “Eu senti muito medo e tudo piorou quando fui à noite para a igreja com minha mãe. Lá eu encontrei uma faixa que dizia ‘diga não ao aborto e sim a vida’. Eu entrei em desespero, ninguém entendia, eu me sentia criminosa. Eu precisei desistir da ideia de abortar, eu vi a sociedade me julgando, não conseguia confiar em nenhum vendedor. Esse é um ramo que você passa muito medo e não consegue acreditar em qualquer um”, descreve.

    Na mesma semana Amanda marcou uma consulta, estava com fortes dores de cabeça e a hemorragia não passava. Quando encontrou o médico ouviu o que temia, seu estado era grave e precisa de um tratamento urgente. As perguntas sobre a família começar a surgir e ela só suplicava por ajuda, não queria ter um filho. “Ele pediu para ligar para minha mãe, eu não tinha para onde escapar. Quando ela foi chegando ao hospital sem entender nada. Eu só chorava e pedia perdão”.

     

 

 

    Os meses foram passando e a negação era contínua. O pai da criança não aceitava a filha que estava chegando e Amanda fingia estar bem, mas não estava. O homem não ajudava com os custos que a gravidez gerava, a depressão tomou conta da menina, a faculdade ficou para traz, a dança e a diversão também. Ela passava o dia na cama, até que recebeu visitas, fez chá de bebê e montou um quarto especialmente para ela. Começou a se conformar com o que estava vivendo, esse sentimento aumentou até o dia do nascimento de sua filha. “Era estranho ser mãe, mas eu me encantei com ela. Fui imposta a viver isso, mas tive que aprender na marra. Meu medo não me deixou abortar. Talvez essa era a decisão mais certa a ser tomada”, conclui sorrindo.

Amanda -
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