“A minha questão é muito mais material, do que psicológica. Eu não teria condições de cuidar de mais uma criança”
Beatriz, 20 anos, é morena, tem cabelos preto e lisos, olhos um pouco puxados e as maçãs do rosto bem acentuadas. Ela é de São Paulo, dessa maneira, nossa conversa só foi possível por WhatsApp. Conheci ela através de um grupo, onde mulheres entravam e saiam todo dia procurando ou encomendando remédios abortivos. Chamei Beatriz no privado e perguntei o que a levava a tomar essa decisão de abortar “Puro desespero. Já sou mãe, de um rapazinho que é tudo para mim, mas crio ele sozinha. Não tenho condições de criar mais um”, conta a mãe solteira.
Um relatório produzido pela Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) contém dados surpreendentes sobre o perfil das mulheres que abortam no País. Essa pesquisa utilizou urnas, que protegeram a identidade da entrevistada, e, indicam que pelo menos 3,7 milhões de mulheres entre 15 e 49 anos realizaram aborto. Sendo que dentre esses números ainda há uma estimativa de 80,8% e 90,5% afirmando que quem decide pelo aborto, em sua maioria, já possui filhos.
A situação da Beatriz se complica ainda mais por já ser mãe. Seu filho, que hoje tem 13 anos, é fruto de uma relação da qual o pai não ajudou na criação e muito menos no custo de vida da criança. Desde que engravidou, a família de Beatriz sempre a crítica, ela se tornou um exemplo a não ser seguido. “Dizem que fiz merda (em engravidar), estraguei minha vida e fui uma decepção para a família”, conta. A gestação que foi interrompida, aconteceu no início desse ano, fruto de uma relação casual em que ela teve com o seu parceiro de trabalho. O problema é que além de colega de trabalho o homem é pai de dois filhos de outra colega de trabalho da jovem. O casal estava reatando.
Passei dois meses sem conversar com a Beatriz, esperando pelo desenrolar da situação. Hoje, a chamei novamente para saber que fim teve a história. “Eu perdi antes de receber o remédio. Foi espontâneo”, disse a jovem. O aborto aconteceu depois de ter feito a encomenda, mas antes dos remédios chegarem. Ela não sabe ao certo o real motivo, mas desconfia que talvez seja pelo alto nível de nervosismo na situação em que estava inserida. “A princípio senti alivio, mas depois tristeza. Não porque eu quisesse que a gravidez tivesse continuado, mas pela vida, mesmo estando no início. Mas sabia que era o melhor a se fazer”.