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“Eu era contra o aborto. Até descobrir que estava grávida.”

Maria -
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    Afagando o cabelo, a jovem ri olhando para o chão. Parece desconfortável com as lembranças árduas que o um ato lhe rendeu. “Não deu certo. Eu gastei muito dinheiro e não deu”.

(João), é seu segundo filho, e virá quatro anos após o nascimento do primogênito. Aos 21 anos, desempregada, prestes a concluir a graduação, a barriga não consegue mais ser escondida. Falar sobre a gravidez parece atingir negativamente, os olhos não enchem de lágrimas, mas é possível perceber pelas linhas em seu rosto que o coração aperta diariamente, com a ideia de uma nova criança.

   Gravidez contínua é um termo utilizado para explicar as gestações que continuam mesmo após o uso de medicamentos abortivos, como Mifepristone, Misoprostol e Cytotec. Em situações assim, a tentativa de aborto falha e a mulher continua grávida. Algumas chegam a sangrar e apresentar outros sintomas, e só uma consulta com médico e um ultrassom confirmam o resultado positivo ou negativo da interrupção (ou não) da gravidez. A frequência desse acontecimento é bem baixa quando o remédio original é utilizado. Essas informações estão disponíveis para qualquer menina/mulher que procure sites que vendam Cytotec, como o Women on Web. Para alcançar maior lucro eles afirmam que “em gravidez de 1-49 dias apenas 0.1% tem falha, em contrapartida, entre 84-91 dias 5.1% não são bem-sucedidas”.

   Mesmo com números, aparentemente, baixos, a “sorte” não andou ao lado de Maria, (nome fictício). A menina que era contra o ato, se viu em desespero e mudou seu conceito. Sua tentativa foi falha, seu dinheiro foi e não voltou, seu filho está no ventre e na memória o segredo e o medo de uma sociedade que julga, ferre e discrimina.

    Em 2015 no Brasil mais de meio milhão de mulheres abortaram, esses dados foram recolhidos pela Pesquisa Nacional do Aborto. Os investigadores afirmam uma por minuto. São 1.440 pessoas colocadas em risco, diariamente. No mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 56 milhões por ano. Mas Maria, não conseguiu ser uma delas.

    O aborto provocado, como pode ser chamado, é a interrupção da gestação, seja ela química, doméstica ou cirúrgica. A jovem decidiu pela química, mas não imaginava que o uso de remédios, mesmo em grande quantia, podia acarretar em depressão e falharia no que a sociedade julga como delito.

    No Brasil em 1940, o ato de abortar foi considerado crime, sendo possível apenas em casos de estupro ou risco de vida da gestante. O Decreto Lei nº 2.848, Art. 128 diz que não se pune o aborto praticado por médico que é considerado necessário: se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro; Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

    “Aos 16 anos eu engravidei pela primeira vez. Foi tranquilo, naquele momento eu não me assustei, apenas aceitei o fato. Prestes a completar 21 anos, em 2017, eu descobri que estava grávida de novo. Minha menstruação atrasou por dez dias, comecei a ficar assustada. Meu maior medo era fazer o teste de gravidez e ver positivo, mas não tinha como correr. Em setembro de 2017 eu descobri que estava grávida do meu segundo filho. A partir daquele dia só conseguia pensar em suicídio, eu estava desesperada”, conta  a jovem.

    O Brasil possui a sétima taxa mais alta de gravidez adolescente e juvenil da América do Sul, empatando apenas com Peru e Suriname. São aproximadamente 65 gestações em cada mil meninas, segundo dados divulgados pelo Fundo de População das Nações Unidas. Em uma pesquisa da  Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), as jovens entre  20 e 29 anos, com filhos e religiosas são as que,  geralmente, tomam a decisão de interromper a gravidez. Maria não é o nome dela, mas por medo da opressão assim será chamada. Olhos verdes, cabelo liso, estatura baixa, no máximo poderia ter 1,62m. A jovem possui em torno de 55 quilos, devido a gravidez, fora dela não  chega aos 50. Seu primeiro filho já frequenta a creche,  lugar em que trabalhou por três anos. Engravidou do primogênito enquanto cursava o magistério, hoje, estuda a 20 km de sua cidade natal, percurso feito todas as noites de segunda a sexta. Namorou durante sete anos, o pai de seus filhos trabalha em uma mecânica em Coronel Vivida - PR, os dois residem na mesma cidade, onde se conheceram, mas com a chegada do segundo decidiram dar fim a relação. Ela tinha um sonho, tornar-se jornalista, pensou no filho que já estava no mundo e desistiu, optou por um curso que não gostava, mas queria estar presente no crescimento da criança. Diferente da segunda gravidez. Maria queria fugir com o teste Beta HCG (exame clínico de gravidez) em mãos. Chegando em casa, procurou a solução em amigas, queria ajuda. “Eu cheguei, peguei meu celular e chamei, implorei para que encontrassem um site, uma pessoa, um anjo, uma luz, algo que pudesse me ajudar”, lembra. “Mas eu vi tudo dar errado. Eu comprei um remédio, gastei muito dinheiro nisso e ele não chegou. O remédio não veio. Eu entrei em desespero, achei que não conseguiria mais”, continua.

    O Cytotec foi o escolhido por ela. Esse medicamento é formulado para o tratamento de úlceras no estômago. No Brasil, sua venda foi proibida há 30 anos, mas ainda é possível adquirir por meio de tráfico ou hospitais - utilizado em abortos retidos, espontâneos, casos permitidos pela lei como estupro ou risco de morte da mãe. O comprimido custa em torno R$ 400,00, mas pode variar de acordo com o fornecedor que, geralmente, indica uso de quatro a seis pílulas para assegurar o resultado.

   Mesmo envolvendo grande quantia monetária o processo não é seguro. Alguns dos “vendedores” oferecem medicamentos falsos, como foi o caso do comprado por Maria. Ela não desistiu e continuou a procura pelo medicamento. “Meu ex conversou com um amigo que afirmou que conseguiria trazer do Paraguai, mas eu deveria esperar porque a polícia estava fazendo uma operação. Foram 20 dias de sufoco. Ele viajou e trouxe. Eu lembro perfeitamente, tomei em uma segunda-feira”, recorda.

    As lembranças de cada passo e sensação ficaram guardadas na memória. A insegurança, a dor, os sintomas descritos nunca serão esquecido. “Eu passei muito medo, nunca senti tanto. Tomei dois comprimidos quando estava de três meses, depois de uma hora e meia fui ao banheiro e comecei a perder sangue. Combinei com meu ex que nós iríamos dormir no motel, para que ninguém pudesse ver ou imaginar. A gente foi e quando cheguei lá deitei e esperei a dor. Perdi muito sangue, tive diarreia e cólica. Cada vez que levantava sentia o sangue escorrer. Lá pelas quatro da manha dormi. Meu ex deixou o celular despertando de hora em hora para ficar me acordando, meu medo era morrer, eu sabia que poderia acontecer. Eu não desmaiei, não tive febre, mas pela manhã quando fui para casa a perca de sangue aumentou. Durante cinco dias eu precisava usar absorvente, era como se estivesse menstruando, mas não estava. No total foram quatro comprimidos, quando o sangramento começou eu tomei os outros dois”, Disse Maria com a voz trêmula.

  

 

   A dúvida continuou presente, mas o medo de realizar outro exame e receber o mesmo resultado era maior. Os dias passaram e a barriga crescia diariamente. Havia se tornado uma certeza: o remédio não tinha funcionado. “Fui obrigada a aceitar aquilo. Não me arrependo de ter tomando, se pudesse aumentava a dose, tomaria três vezes mais. Eu estou passando por algo que eu não queria”, lamenta a jovem.

   Muitas discussões são geradas em redes sociais sobre a prática de abortar. Os médicos afirmam que um feto com até 12 semanas de gestação possui um sistema nervoso primitivo, não apresenta atividades de consciência ou que envolvam outros sentidos ligados a mente. O médico famoso Drauzio Varella já alegou em um artigo que deveria ser legalizado “pela mesma razão que as leis permitem a retirada do coração de um doador acidentado cujo cérebro se tornou incapaz de recuperar a consciência”.

   Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), apenas no Brasil, cerca de 200 mil mulheres morreram vítimas de aborto clandestino. Maria, impossibilitada de seguir sua vontade já recorreu a justiça para passar a guarda da criança a sua mãe. Hoje, ela vive a dor de uma mulher que viu outras pessoas definirem o que era melhor para seu corpo, regrando sua vida e decidindo por si. Hoje, Maria chora, mas as lágrimas são de dor por não ter voz.  200 mil mulheres são caladas a força por ano. Hoje, Maria, assim como elas sofre calada.

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