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“ Às vezes me vem os pensamentos de como seria se não tivesse feito o procedimento, mas eu tenho certeza de que foi a melhor coisa a ser feita”

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    Julia tem 20 anos. Filha de americano, ela é uma loira muito sorridente e carismática. Viaja com sua mãe por todo o Brasil. Como qualquer jovem da sua idade ela gosta de sair, dançar e se divertir. No carnaval de 2017, Julia estava morando em lençóis - BA, mas gostaria muito de ir a um festival eletrônico que estava acontecendo na cidade vizinha, Chapada Diamantina- BA. Carlos*, um viajante que vendia livros em sua Kombi, estava de passagem pela cidade de Julia e prometeu a jovem que a levaria ao festival. “Fugi dele o dia todo, mas não deu jeito, a noite ele colocou um som e fumamos um beck (maconha), falei varias vezes que não queria ficar com ele e ele insistiu. Acabou rolando e ele gozou dentro. Eu estava ovulando.” Conta ela.

   Sua menstruação atrasou 15 dias, e Julia já sabia o que lhe esperava. Um teste de gravidez confirmou suas suspeitas. “Na descoberta eu já estava decidia em abortar por saber que o cara era nojento.” Relata. Um dia após a relação sexual ter acontecido, a mascara de Carlos havia caído para Julia. Segundo ela, o rapaz já estava na sua cidade porque havia marcado de encontrar uma mulher que tinha conhecido na internet e da qual seguiria viagem junto com ele até Moragogi. Quando essa mulher, que vamos chamar de Isabel, descobriu tudo, ela e Carlos se separaram. Ele a roubou e a abandonou. Além disso, Julia, que já estava grávida e não sabia, teve de ouvir Isabel a insultar. 

   Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011, 5,5 milhões de crianças brasileiras estão sem o nome do pai na certidão de nascimento. Se o embrião que Julia carregava nascesse, ele entraria para essas estatísticas. Além disso, houve outros motivos para que Julia procurasse uma clinica Clandestina. “Eu não estava preparada para ser mãe. Não consigo cuidar nem de mim direito” exclama a jovem.

   Foi sua mãe quem comprou o teste de gravidez e ficou do lado da filha durante toda a decisão, sabendo que aquela não era a hora de Julia ter um filho. A solução foi procurar ajuda com um amigo, que já tinha falado sobre uma clinica clandestina que realizava aborto por sucção. O procedimento durou cerca de 20 minutos e as chances do aborto dar errado eram nulas. “A clinica era de um ginecologista, tinha todo o jeito de um medico "normal". Me trataram muito bem, levei anestesia local. Sofri um pouco depois, mas não me arrependi, tomei antibióticos pra não ter infecção e fiquei 40dias de "molho"” conta Julia.   

     O procedimento é simples, após a anestesia local ou geral, é inserido no útero um tubo oco com uma ponta afiada. A sucção (que é 28 vezes mais forte que a de um aspirador doméstico) despedaçado o corpo do embrião, assim como a placenta, e o aspira. O abortista introduz uma pinça para extrair o crânio que não costuma sair pelo tudo de sucção. Quase 95% dos abortos nos países desenvolvidos são realizados desta forma. O procedimento custou R$4.000. A jovem conta que sangrou durante duas semanas e teve fortes cólicas, parecidas com as menstruais. Seu único medo era o do arrependimento, hoje olhando para trás com os olhos vazios ela afirma “As vezes me vem os pensamentos de como seria se não tivesse feito o procedimento, mas eu tenho certeza de que foi a melhor coisa a ser feita”

   Julia teve sorte, mas não são todas que têm. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) aproximadamente 1 milhão de mulheres se submetem a abortos clandestinos anualmente. Diariamente, cerca de quatro mulheres sofrem de complicações pós-aborto no Brasil. E a cada dois dias uma morre pelo menos problema. Na maioria delas são infecções causadas pelas próprias clinicas. E as que não têm condições de irem até essas, arriscam a vida em abortos caseiros.

   Esses números poderiam mudar radicalmente com a legalização do aborto. Um exemplo disso é Uruguai que discriminou o aborto em outubro de 2012. Desde então o índice de desistência de aborto subiu em 30% comparado com os anos anteriores. Segundo números apresentados pelo governo, entre dezembro de 2012 e maio de 2013, não foi registrada nenhuma morte materna por consequência de aborto e o número de interrupções de gravidez passou de 33 mil por ano para quatro mil. Isso porque além da legalização, o governo implementou políticas públicas de educação sexual e reprodutiva, planejamento familiar e uso de métodos anticoncepcionais, assim como serviços de atendimento integral de saúde sexual e reprodutiva.

Ilustração: Christiny Pamela Zago

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