Hospitais e aborto ainda não é uma combinação totalmente possível
O estupro pode parecer, para alguns, uma realidade muito distante. Mas no Brasil está presente com dados que podem assustar quem não costuma debater sobre o assunto. O 9º Anuário Brasileiro da Segurança Pública apresenta que a cada 11 minutos uma pessoa é vítima desse crime. Desses casos apenas 30 a 35% são registrado. Apenas em 2016 foram cerca de 140 estupros por dia no país, esses números foram levantados por meio de uma pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O aborto, no entanto, está muito longe de ser apenas uma ação realizada por mães de crianças anencéfalas. Muitas mulheres procuram interromper a gravidez através de métodos perigosos e também acabam parando em hospitais com hemorragia. Boa parte dessas mulheres morrem vítimas do processo clandestino do aborto.
Dessa forma, assim como a gestante que se enquadra nas situações citadas tem o direito de buscar serviço profissional para interrupção da gravidez, o profissional tem o direito de se recusar a realizar o atendimento, respaldado pelo Código de Ética Profissional, o mesmo ocorre com a enfermagem.
O Artigo 128, a Lei N. 12.845 de 1º de agosto de 2013 traz orientações sobre o atendimento oferecido no Sistema de Saúde Público (SUS) focado em interrupções de gestação dentro dos meios legais. Alguns protocolos devem ser seguidos e visam a padronização da assistência e dos procedimentos em todas as instituições públicas de saúde do Brasil que são autorizadas realizar o aborto. “Nós possuímos duas normas técnicas que são previstas pelo Ministério da Saúde: a prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes e também a atenção humanizada do abortamento”, aponta a professora e enfermeira. Ela explica que o Hospital de Clínicas da UFPR como instituição pública de saúde autorizada a realização desses serviços possui amparo legal para realizar o aborto que segue os protocolos e normas técnicas, porém isso não acontece como previsto no Ministério da Saúde.
Quando uma mulher busca a instituição para o atendimento precisa realizar acompanhamento psicológico para afirmar que possui condições mentais para a tomada de decisão. Se é menor de idade também é necessário consentimento de responsáveis legais. A idade gestacional deve estar na determinada por lei, que diz que o aborto só é feito até 22 semanas e concepto de até 500 gramas.
Durante o atendimento à vítima são explicadas as condições do aborto para a mulher, sanadas as dúvidas e oferecido o direito de manter a gestação. Se ela deseja realizar, mesmo depois de esclarecida e da oferta de apoio para adoção, o procedimento deve ser feito. Isso é previsto no âmbito do SUS com a Portaria MS/GM Nº 1.508 do Ministério da Saúde de 1º de setembro de 2005, que diz “Esses procedimentos devem ser adotados pelos serviços de saúde para a realização do abortamento em situações de violência sexual, e incluem cinco diferentes termos: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, Termo de Responsabilidade, Termo de Relato Circunstanciado, Parecer Técnico, assinado por médico, atestando a compatibilidade da idade gestacional com a data da violência sexual alegada, afastando-se a hipótese da gravidez decorrente de outra circunstância diferente da violência sexual e Termo de Aprovação de Procedimento de Interrupção de Gravidez”.
Mas nem sempre o que determinam as legislações é cumprido. “Aqui Curitiba, relata-se que quando a mulher busca esse tipo de atendimento, ela não é esclarecida pelos profissionais e não é informada dos seus direitos, dificultando ao máximo o acesso ao serviço pela objeção de consciência dos profissionais, Muitas vezes é necessário mandado judicial para que se realize o procedimento, e quando sai o mandado já está ultrapassada a idade gestacional necessária para realização e o abortamento não pode mais ser feito. Além da recusa no atendimento, essas mulheres enfrentam desculpas para não serem atendidas. Segundo relatos é essa demora que as faz procurar serviços clandestinos”, conta.
Nos casos de anencefalia atendidos no Hospital de Clínicas da UFPR, relata-se que na maioria das vezes, mesmo as mulheres tendo o direito de interromper a gravidez, elas não procuram o serviço porque na consciência delas, se elas realizarem o abortamento se sentiriam “assassinas”, mesmo sabendo que a criança não sobreviverá após o nascimento. É mais confortante para o psicológico dessas mulheres a criança morrer naturalmente após o nascimento do que elas interromperem a gravidez.
De qualquer forma, tanto nos casos de anencefalia quanto de violência sexual há aquelas que querem e estão decidias a realizar o abortamento legal, e a decisão delas deve ser respeitada.
A professora destaca que essa decisão é apenas da mulher. Durante a entrevista ela relembra um caso ocorrido há um tempo atrás.
Uma menor de 17 anos, caloura de um curso de graduação na UFPR e filha de uma professora universitária também na UFPR.A menina estava participando do trote dos calouros, quando saíram para beber e alguém colocou uma substância na sua bebida. Ela ficou inconsciente e foi abusada, sofreu estupro coletivo. Um tempo depois a garota descobriu que estava grávida. Menor e mãe procuraram o Hospital de Clínicas para realizar o abortamento. O atendimento a princípio foi recusado, justamente por todas as considerações apresentadas acima. Foi necessário ir à Justiça para conseguir o direito de realizar o procedimento de interrupção de gravidez. Através de um mandado judicial, com o procedimento e a idade gestacional permitida o Hospital realizou o procedimento. “Se não fossem os esforços e esclarecimento da mãe da menina sobre o assunto ela não teria conseguido ter acesso ao serviço que era um direito. E o pior, a menina foi obrigada a lembrar todos os das da violência sofrida” conta a professora.
O site da UOL disponibiliza alguns dados:
Abortos legais realizados pelo SUS 2014- 1.600
2013 - 1.523
2012 - 1.613
2011 - 1.495
2010 - 1.666