Aborto em clínicas clandestinas
O aborto já é assunto antigo. Entre 2737 e 2696 a. C. o imperador chinês Shen Nung cita, em texto médico, a receita de um abortífero oral, provavelmente contendo mercúrio. Porém, por conta da ingestão de substancias química por parte das mães, algumas sociedades adotaram a prática do infanticídio, ou seja, matavam as crianças após o nascimento. No Japão, em alguns lugares, adotavam-se métodos de aborto que causavam sério risco de morte para a mãe. Dentre estes métodos estavam pancadas no abdômen e cavalgadas durante horas a fio a fim de matar o feto.
Com o passar dos anos os métodos foram variando e hoje existem diversos modos de abortar, seja através de chás, remédios ou clínicas clandestina. O método adotado pela maioria delas é o de sucção. Boa parte desses projetos de hospitais funcionam normalmente e atendem clandestinamente dezenas de mulheres por dia. Os valores variam de R$500 até R$7.000 reais. O procedimento dura em torno de 20 minutos e o embrião é “sugado” de dentro do útero por um tubo oco com uma ponta afiada. O maior problema dessas clínicas é justamente o fato de serem mantidas por profissionais sem as qualificações necessárias e com equipamentos que não tem as mínimas condições de garantir a vida da mulher após o procedimento. Claro, essa é uma realidade de mulheres pobres, mas também há diversas clínicas de aborto da “classe alta” que atende com segurança e conforto.
Muitas mulheres também ficam com sequelas após um aborto mal feito, sendo elas, laceração do colo uterino, perfuração do útero, hemorragias uterinas, endrometrite (inflamação) pós-aborto, entre outras. Além disso, segundo o jornal estadão, quatro mulheres morrem diariamente por complicações em clínicas clandestinas no Brasil.
No dia 23 de junho de 1985, Tania Heesch que tinha 27 anos, morreu em um procedimento clandestino em Guarapuava. O médico teve seu registro profissional cassado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM), após um papel ser encontrado no bolso da vítima, com o orçamento e com o nome e o endereço da clínica. A autópsia comprovou que a professora morreu momentos antes do médico retirar o feto.
Esse é apenas um dos casos que envolveram o medico. Em setembro de 2006 Emiliano foi preso por porte de medicamentos derivados de morfina e sob a suspeita de pratica de abortos clandestinos.
Outro caso envolvendo o médico é a interrupção da gravidez de uma jovem de Ponta Grossa sem a autorização da gestante. Ela teria ido fazer um exame de rotina, junto com o namorado, que já havia combinado o procedimento com o médico. Chegando na clinica foi sedada e o aborto foi feito. Mas antes mesmo desta ocorrência, uma adolescente já tinha ido até a Delegacia de Polícia Civil para registrar a ocorrência de um estupro que gerou a sua gravidez. A menina disse que precisava do boletim de ocorrência para obter um desconto no valor do aborto que seria feito por Emiliano.
Entenda o caso da Tânia Heesch
“Eu sou contra o aborto e sempre vou ser, porque pra mim é um crime, mas mesmo assim, que seja um crime feito pela mão de uma pessoa que sabe o que está fazendo”
A irmã da Tania Heesch, Fatima Heesch, 54 anos, aceitou contar o que aconteceu na época. Segundo ela, ninguém da sua família sabia que Tânia estava gravida, apenas o atual namorado dela e duas amigas que eram enfermeiras. Uma das amigas foi quem mediou todo o processo da Tânia e o médico Emiliano. Segundo Fátima, todo o procedimento foi pago pelo namorado da vítima. No domingo do dia 23 de junho de 1985, Tânia saiu logo pela manhã, dizendo que iria fazer um piquenique com as amigas, mas na verdade, ela se dirigiu até a cidade de Guarapuava para fazer o aborto que já estava marcado. “Nós estávamos lá em casa, quando foi mais ou menos meio dia, chegou um taxi e falou para minha mãe que tinha um corpo de uma moça na frente da igreja na cidade de Laranjeiras do sul, que era onde morávamos, e minha mãe foi até o local com o meu padrasto e meu irmão. Minha mãe estava achando que era minha prima, que anda pelo mundo em festa e tal, e a gente pensou que era ela né? Quando minha mãe abriu a porta da ambulância, que era de um hospital de Guarapuava, e descobriu o corpo, era da minha irmã. Foi um choque muito grande. Minha mãe ficou muda. Nunca mais voltou a ser quem era. Na verdade foram 3 vidas: minha mãe, o feto, e ela (Tânia)” afirma Fátima.
Ninguém nunca soube o real motivo que levou a jovem de 27 anos a procurar pelo aborto, mas a irmã desconfia que seja pelo fato de ela já ter uma criança, que na época tinha um ano e um mês, e que essa nova gravidez não tinha sido aceita pelo pai da criança. “Ser mãe solteira e ainda ter mais um filho, sendo que o pai não queria assumir não era fácil né? Mas é lógico que a gente ia aceitar mais uma criança”, conta a irmã.
Quando o corpo foi encontrado pela mãe da vítima, foi um desespero total. Havia sangue em suas nádegas e ninguém sabia o real motivo da sua morte, suspeitavam de estupro. Após grande pressão em cima da amiga da vítima, que havia saído com ela naquele dia, soube se que Tânia estava gravida de mais ou menos três meses e tinha ido até a cidade de Guarapuava para fazer o aborto.
Em um levantamento feito com mais de dois mil estudos, artigos e publicações sobre o tema aborto nos últimos 20 anos, organizado pelas professoras Debora Diniz, da UnB, e Marilena Cordeiro Dias Villela Corrêa, da Uerj e financiados pelo o Ministério da Saúde (MS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) afirmam que pelo menos 3,7 milhões de mulheres entre 15 e 49 anos realizaram aborto. Ou seja, 7,2% das mulheres em idade reprodutiva. Menos da metade desse número chega a ir ao sistema único de saúde (SUS). Em relação à idade, o relatório mostra que de 51% a 82% dos abortos são realizados por mulheres entre 20 e 29 anos. Ou seja, as adolescentes são minoria, e respondem por 7% a 9% das estatísticas.
O aborto de Tania não chegou a ser concluído, pois a vítima tinha problemas do coração. Segundo Fatima o médico foi processado, mas não resultou em nada. Ele alegou que a vítima já havia chegado em sua clínica morta. “Os anos passaram e tudo acabou praticamente no esquecimento da sociedade e de todo mundo, e a gente também não mexia muito nas coisas por causa do próprio filhinho dela que até hoje sabe da história e se revoltou muito. A gente parou de mexer com isso. Estava machucando muito, e você lutar contra o colarinho branco não é fácil, porque esse é um crime do colarinho branco que não tem punição né? Vai enrolando a justiça e no fim infelizmente não paga por um crime assim. E nunca mais a gente foi atrás de nada. Ficou no esquecimento porque o dinheiro dele infelizmente compra justiça, compra tudo...” fala Fatima, com tristeza na voz.
Muitos anos após o caso da Tania, segundo informações de pessoas da época, o médico continuou realizando outros abortos. Somente no dia 28 de setembro de 2006, 21 anos após a morte da Tania que o Dr. Emiliano de Jesus Medeiros foi preso por porte de medicamentos derivados de morfina e sob a suspeita da prática de abortos clandestinos. Isso tudo ocasionado por duas denúncias, sendo a primeira a de uma adolescente que foi até a Polícia Civil para registrar a ocorrência de um estupro que gerou a sua gravidez. A menina disse que precisava do boletim de ocorrência para obter um desconto no valor do aborto que seria feito pelo médico. Já a segunda denúncia foi uma mulher que teria feito o aborto sem o seu consentimento, pois o médico, mandado pelo ex namorado da moça, a teria drogado e feito o procedimento sem a sua autorização. Embora Emiliano fosse clínico geral, atuava como ginecologista e até cirurgião plástico. Em 2006 o CRM (Conselho Regional de Medicina) em Guarapuava afirmou que o médico não possuía nenhuma especialização.
Mesmo após a morte de sua irmã, Fatima continua sendo contra o aborto, mas a favor da vida das mulheres. “Eu sou contra o aborto e sempre vou ser, porque pra mim é um crime, mas mesmo assim, que seja um crime feito pela mão de uma pessoa que sabe o que está fazendo. Também sou a favor da sociedade cobrar menos das pessoas que têm filhos, de mães solteiras e ter mais ajuda para essa mulheres, como psicólogos e tudo. A partir do momento que uma pessoa vai procurar uma clínica, que eles coloquem um psicólogo para falar com a pessoa.” Explica.
E é assim que funciona em países que já legalizaram o aborto. A legislação uruguaia, por exemplo, que aprovou em 2012 a legalização do aborto, autoriza que qualquer mulher aborte até a 12ª semana de gestação. Em casos de estupro, o prazo é até a 14ª semana, e não há limite de tempo quando a gestante corre risco de morte ou em caso de má formação do feto. O procedimento determina que a mulher inicialmente se consulte com um médico, que irá solicitar uma ecografia e depois encaminhá-la a uma equipe multidisciplinar formada por ginecologista, psicólogo e assistente social. Depois disso, ela tem de esperar ao menos cinco dias, o que a lei chama de "período de reflexão" para então voltar ao ginecologista. No ano passado, 6% das mulheres que procuraram o serviço resolveram dar continuidade à gravidez.
Imagem retirada do banco de imagens: